terça-feira, 30 de outubro de 2012

Ilha Branca


O senhor Luís dá camisa para guardar
os poetas escrevem sem tecer
partiremos Ilha Branca a segredar
a baleia  é ilhéu sem omitir
a hortelã  que de um jacto se arranca
o périplo cumpre-se à partida 
não vá Hipólito entristecer

Santo Amaro

Onde foram vistas as jóias
a guardar o alto do colosso?
Onde repousa agora o olhar
pedra negra esclarecida
dos rosais ao topo se alarga
a corda naval a um passado
os barcos adormecidos na amurada
desfalcado hoje sem negócio
um  desenho teu ali guardado.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Jardim

Florêncio nome de jardim
o cheiro das flores ali habita
respira a meio do atlântico
amparado o tronco e a seiva
deixa cegos pintores e poetas
e o dragoeiro que não volta.

Café do Canal

À bica da espalamaca
contrapor
a amora do monte da guia
aviso indevido à tripulação
havemos de chegar a bom porto
velhos veleiros na travessia
cruzeiros da vaga e do vento
o monte queimado contempla
capote é desenho de parede
espreita montanha na calçada
carrega marítima existência
por ora concede tesouro
abandona desespero da paisagem
valentia de piratas de trazer por casa.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Fajã de Lopo Vaz

Um bailado de garajaus
une-se por cores em bando
o comum e o rosado
no celeste céu se pintam
agitam-se em redor das falésias
caem a pique no oceano
o sublime silêncio ali prostrado
uma casa-mar e quase nada

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Fajãzinha

Casebres de branco
descida lenta à fajã
alcançar trilho, cúmplice flor
som antigo, sepulcral,
coroa de pedras no riacho
verde-testemunha, malgrado o céu
cobre-se de cinza,
metereopatia.


Vila da Praia

Um raio de luz acerta em cheio
vagamente na areia desperta 
doce marulhar na tarde quente
é ainda Março no calendário
árvores sem folhas céu sem aves
o clamor da Primavera ausente 



sábado, 20 de outubro de 2012

A Possível Coloração dos Pássaros

Nos degraus de um moinho de Santa Cruz,
eis o poema de Ruy Belo à flor da pele,
sobre igrejas, ruínas, postais decrépitos,
uma rapariga à janela num único esgar
todo um mundo que aparece e desaparece,
a Primavera tímida nada esclarecida,
tingida pela coloração possível dos pássaros.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Como um Peixe Prateado no Verão

A língua confundida
é de uma graciosidade tamanha
perdido nome escrito a ocidente
em azul quebra ao longe o horizonte
um peixe prateado se agita
traz o rumor de outras tantas viagens
promessas de amoras bravas no verão
e o que seria da ilha e do mar
se a água transbordasse?

Douta Melancolia


Trazes contigo a locomotiva
douta melancolia a resistir
às virtudes do vento e do azul
algumas linhas no céu plangente
cartas escritas sem destinatário
silenciosos dias amortalhados
de tudo o que não se é capaz de dizer.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Opereta da Montanha


O que direi à montanha?
O que direi?
Se eu me cobrir de basalto
De sementes e de vinhas
De centeio e de milho
Virão frutos virá pão
Licores e vinho novo
Na esteira da subida
O que direi à montanha?
O que direi?
Se eu me cobrir de neblina
Como barcos de Santo Amaro
E figueiras de Santa Luzia
E de São Roque virá trigo
No sulco da descida
O que direi à montanha?
O que direi?
Dos sopros e marés
É rasgar à ventania
Acalmar fogos, tempestades
Como albarcas voadoras
Cem baleias triunfantes
E remar à acalmia 

sábado, 13 de outubro de 2012

Postal de Pim

Deixei-me levar
ao céu aberto
a tua baía
é o meu deserto

Aceita o postal
em azul sincero
num sol discreto
olhar baleeiro
Deixei-me guiar
ao monte queimado
o verde tão verde
no mar espelhado
Rasga o postal
na vaga de incêndio
em voo rasante
à fábrica ausente
Deixei-me tocar
pelo negro basalto
à urze tão densa
nenhum desespero

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Merluzzo

Como à noite o olhar da sereia
rebuscada figura, esfinge,
salta em filigranas na memória
o frio dóri lá no norte
tesos antepassados com glória

pele salina corre o brio
tempo escravo desafio
contar horas privações
visão mágica de menino
expressa na imensa branquidão

no tingir de um peixe pelo céu...

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Lajido 40


O taxista revela em canada,
travejes, antigos abrigos, longos currais,
lajes de lava com sulcos de rodas,
desígnio de talhadas relheiras,
segredo maior de um colosso,
adegas, poças de maré, bagacinas,
solarengas ermidas abandonadas,
arco sem nuvens ali desenhado,
o chão de rola pipas impressiona,
dá tom e piso ao rubro afastamento,
delicado júbilo na véspera de domingo.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Porto Salão


Os teus olhos enchem-se de salitre
em conformidade com a espuma e o azul
indicam-me os sítios onde ir

Teste de Filosofia



Concluímos da nossa relação
não traduzir uma conexão necessária
no entanto é legítimo afirmar
a existência de coerência e de constância
a permanência de certas percepções
o que nos leva a acreditar em coisas externas
fenómenos facilmente pressentidos
incalculavelmente presentes e
raramente mensuráveis

Praça de Santa Cruz

Cedo e cedo até à praça
um leão ferido e sem raça
Carrega consigo um navio
sem casco
E tal como os ornitólogos desconhece
este último voo

Os Garajaus Vão para Acra

Os garajaus vão para Acra
alegam a consistência das nuvens
reforçam o princípio imutável das estações
esperam reunir-se no calor dos veleiros
à nova rota investem brancura no voo
desaparecendo na claridade da canícula
confiscando ao desfolhado Outono
o seu fim precocemente anunciado

O Eco Ruidoso das Sirenes

Se fosse lentamente possível
silenciar o ruidoso eco das sirenes
dentro de um coração improvável
como deuses em fortalezas
a habitar frágeis casebres
se fosse lentamente possível
cavar e calar a mais funda das dores

Engenharia Naval

Impossível escrever poemas com montanhas
Aprender a guardar lâminas de neve no inverno
Junto da bigorna engendrar
poleame, mastros, velas ao alto, enfim, escunas
como se de um grande navio se tratasse 

Farol do Carapacho

Talvez a imensidão sossegue
os batimentos incertos de um coração
a lava é antiga e é como
se soltasse um pássaro

em lenta combustão

Céu de Angra


Irrompem pela manhã
milhares de farrapos
vogam e rasam no ar
apagam lágrimas e anunciam
pássaros a rebentar no céu
o ensinamento efusivo de novas cores 

Tenaz



Agitado  tronco sobre a água
no mastro erguida uma bandeira
a montanha compõe o cenário
de neve ao pico o cimo tocado
a magnífica e simples tenacidade
do navio à beira mar aportado

Vintage



A língua estrangeira indicia viagem
a um outro lugar ao abandono
o rigor causal dos pássaros
ultrapassam a insidiosa estação
no vento determinante da encosta
acariciando vagamente e por instantes
as cigarras repousantes ao cair da tarde

Corvo



Dobra o teu destino
aguarda em comoção
à partida um fio de linho
no gorro a tradição
amplexo ao tempo presente
roda antiga de ternura
é ainda longíquo o sonho
desfaz-se briosa na despedida
pequena rocha de aventura...

Corvo, verão de 2012

Myosotis Azorica



Se o sangue correr e subir
ao cimo do verde da montanha
agarra a única certeza
reconhece pétala a pétala
provavelmente assim provarás
a sua existência é fruto
de uma inglória narrativa
pois à noite já não aguardamos
o amanhã de te avistar

Fajã Grande, verão de 2012